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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    O que aconteceu no Canadá não foi exceção

    Não se trata aqui de defender um dos lados dos conflitos, a Rússia. Trata-se de defender o mundo de uma tradição política execrável e inaceitável

    (Foto: Presidência da Ucrânia)

    O recente e constrangedor episódio ocorrido no Parlamento canadense, onde Zelensky e o primeiro-ministro Trudeau aplaudiram efusivamente um antigo membro da SS ucraniana, provocou grande comoção e a compreensível ira de grupos judaicos.

    Observe-se que Zelensky, o qual não aplaudiu o discurso de Lula na ONU, fez questão de homenagear um ex-combatente nazista. Trudeau pode alegar que não sabia de nada. Zelensky, é claro, devia saber o que estava fazendo.

    Muito embora Trudeau tenha se desculpado e o “speaker” do Parlamento tenha se demitido do cargo de liderança, o episódio revela os laços históricos da Ucrânia com o regime nazista e a recente relação dos governos ucranianos pós-2014 com grupos neonazistas.  

    Esses laços históricos são bem conhecidos e estudados.

    Na Segunda Guerra Mundial, muitos grupos de ucranianos do oeste e do centro se aliaram aos nazistas contra a União Soviética.  

    Entre vários outros crimes, eles foram responsáveis pelo famoso massacre de Babi Yar contra os judeus de Kiev e forneceram milhares de guardas para atuar nos campos de concentração nazistas do leste europeu, como Auschwitz, por exemplo.  

    No referido massacre, teriam perecido cerca de 100 mil judeus. Saliente-se que, na época, a Ucrânia tinha cerca de 2,7 milhões de judeus. A maior parte foi assassinada, ao longo do conflito.

    O problema maior, contudo, reside no fato de que alguns líderes nazistas ucranianos desse período são vistos, hoje, na Ucrânia, como heróis nacionais, tal como a pessoa homenageada no Canadá. Assim, ela não é uma exceção, fruto de mero equívoco.

    Com efeito, a Ucrânia ergueu, nos últimos anos, estátuas e monumentos em homenagem a esses “nacionalistas ucranianos”, cujos legados estão indelevelmente manchados pela sua relação indiscutível com o regime nazista.

    O principal deles, Stepan Bandera, antigo líder da terrível Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), cujos seguidores atuaram como membros da milícia local das SS e do exército alemão, tem várias dezenas de monumentos e de nomes de ruas que glorificam seu nome.  

    Outro frequente homenageado é Roman Shukhevych, considerado um lutador pela liberdade da Ucrânia, mas que também foi líder de uma temida unidade policial auxiliar nazista.  

    Ademais, teriam sido erguidas estátuas para Yaroslav Stetsko, ex-presidente da OUN, o qual escreveu: “insisto no extermínio dos judeus na Ucrânia”.

    Assim, na Ucrânia hodierna, o nacionalismo está muito associado a essa lamentável herança nazista e a uma franca hostilidade contra a Rússia.

    Infelizmente, a partir de 2014, com os eventos da Praça Maidan e da deposição ilegal de Yanukovych, grupos de extrema direita da Ucrânia, que se julgam herdeiros dessa tradição nacionalista e xenófoba, passaram a ter considerável influência na vida política ucraniana.

    Grupos como o Pravy Sektor e o Batalhão Azov. Este último grupo foi fundado por um declarado supremacista branco, que alegou que o objetivo nacional da Ucrânia era livrar o país de judeus e outras raças inferiores.

    Não adianta dizer que Zelensky é judeu e que sua família foi vítima do Holocausto. Trata-se de uma questão histórica e política que vai muito além de um indivíduo, por mais alto que seja o cargo que ele ocupe.

    O fato ineludível é que, com a mudança ilegal do regime ucraniano em 2014, apoiada e estimulada pelos EUA e o chamado Ocidente, abriu-se, na Ucrânia, uma Caixa de Pandora de xenofobia, russofobia, anticomunismo e neonazismo. As populações de russos étnicos passaram a ser hostilizadas e atacadas, especialmente no Donbass.

    Além da expansão da Otan, esse foi um fator muito importante no desencadeamento do conflito atual.   

    Segundo o que resta da oposição na Ucrânia, vários políticos e jornalistas da ucranianos morreram, desde 2014. Isto inclui a ex-deputada do Partido Socialista da Ucrânia, Valentina Semenyuk-Samsonenko (seu assassinato em 27 de agosto de 2014 foi disfarçado de suicídio); o ex-deputado e organizador das ações de oposição Oleg Kalashnikov (foi morto em 15 de abril de 2015); o popular escritor e publicitário antifascista Oles Buzina (morto em 16 de abril de 2015) e muitos outros.

    O Partido Comunista da Ucrânia, um dos maiores partidos do país, foi banido em 2015.

    Ademais, políticos, jornalistas e ativistas oposicionistas, muitos dos quais de tendência esquerdista, foram espancados, detidos e encarcerados nos últimos anos, sob acusações forjadas de “alta traição” e outras acusações abertamente políticas.  

    Isso aconteceu, em particular, com os jornalistas Vasily Muravitsky, Dmitry Vasilets e Pavel Volkov, bem como com o ativista dos direitos humanos Ruslan Kotsaba.  

    A situação agrava-se a cada ano, especialmente depois que Volodymyr Zelensky se tornou presidente da Ucrânia.

    Obviamente, com a guerra a situação piorou ainda mais.

    A razão formal para a eliminação completa dos remanescentes das liberdades civis e o início da repressão política aberta foi, com efeito, o conflito militar na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022.   

    Não se trata aqui de defender um dos lados dos conflitos, a Rússia. Trata-se de defender o mundo de uma tradição política execrável e inaceitável.

    No chamado Ocidente, esses fatos são ignorados e Putin é ridicularizado por propor “desnazistificar” a Ucrânia.

    Mais ridículo e muito mais grave, no entanto, é aplaudir nazistas.  

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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